A
Ordem de São Bento é a primeira grande ordem monástica da Igreja do Ocidente.
Os beneditinos estão implantados no noroeste da península Ibérica desde o séc.
XI ainda antes de Portugal existir como nação independente. Os Mosteiros das
ordens religiosas funcionavam como coluna vertebral da conquista cristã e
recebiam com isso os favores dos reis católicos, mas foi a partir do século XVI
quando foi escolhido como sede da Congregação de São Bento de Portugal e do
Brasil que o Mosteiro de Tibães cresceu em prestígio e esplendor.
Vista do altar - mor da Igreja do Mosteiro de São Bento da Bahia,Século XIX
Fonte: Arquivo do Mosteiro de São Bento da Bahia
No
século XVI, aportaram na Bahia de Todos os Santos os primeiros monges
beneditinos que viam da suntuosa Abadia de São Martinho de Tibães. Os monges
bentos como eram chamados vieram para fundar na Terra de Santa Cruz após 81
anos do “descobrimento” o primeiro Mosteiro de todo o novo mundo. Essa fundação
é motivada pelo impulso missionário além-mar, incentivado pelo Concílio de
Trento. Assim os beneditinos trouxeram todo o seu amplo conhecimento e cultura
para a construção do novo Mosteiro usando toda a beleza e funcionalidade da
arquitetura para a construção da nova casa, Calmon nos apresenta o panorama
histórico:
A primeira ordem regular estabelecida
no Brasil depois da Companhia, foi a de São Bento. Vimos os primeiros dêsse
hábito às voltas com a conquista da Paraíba. Constou no Capítulo da mesma
comunidade celebrado em Lisboa, em 1581, o pedido dos moradores da Bahia, para
que viessem instalar-se aqui “monges desta nova reforma para sua consolação”.
Realmente foram acolhidos com grande deferência e lhes deu o bispo a ermida de
São Sebastião, já existente na rampa fronteira à porta da cidade, que se chamou
de São Bento onde se elevou, enorme e rico mosteiro, que subsiste. No ano
seguinte logravam os beneditinos as preferências da velha Catarina Àlvares, que
em testamento (diferente de Caramuru, amigo dos Jesuítas), lhes legou as terras
adjacentes da ermida de Nossa Senhora da Graça…[1]
A
arte foi a mais poderosa arma que a Igreja Católica esgrimiu na guerra contra o
movimento protestante. No início do século XVI, o sacerdote e teólogo alemão
Martinho Lutero atacou severamente a veneração às imagens dos santos. Assim
reagindo à ameaça, o Papa Paulo III convocou em meados do século XVI o Concílio
de Trento, atribulado, o Concílio durou 18 anos e ficou conhecido como
“Concílio da contra reforma”, deu início a uma serie de diretrizes que visavam
a reafirmar e reforçar os dogmas e a disciplina dentro da Igreja Católica: a
saber as imagens de Cristo, da Virgem e dos Santos eram utilíssimas para o
culto num mundo onde a esmagadora maioria não sabia ler. A arte é a expressão
plástica dos ideais católicos da contra reforma, pois é com imagens que também
se instrui o povo por que o povo vê com o coração. A exuberância dos símbolos
religiosos era a melhor forma de honrar a Deus, de persuadir e de aumentar o
exército de crentes.
Ao
edificarem a Igreja do Mosteiro de São Bento da Bahia os monges beneditinos
legaram-nos um dos exemplares mais preciosos da história patrimonial. Ao
construírem o seu templo e ao exprimirem a sua fé através das expressões
artísticas que para aí criaram atingiram um sublinhar estreito entre a liturgia
e a arte e conseguiram que o seu mundo cultual se transformasse num mundo
cultural
O
atual templo dos monges Beneditinos da Bahia foi erigido de acordo com a planta
do Irmão Donato Frei Macário de São João, este membro da comunidade veio junto
com o grupo de Monges fundadores liderados pelo Frei Antônio Ventura, primeiro
Abade do mosteiro nascente, assim cita Dom Gregório Müller:
“Idealizou a planta do novo edifício um
membro da comunidade, o irmão Donato Fr. Macário de São João, do qual guarda o
“Dietário” a seguinte memória: Fr. Macário de S. João trabalhou no ofício da
arquitetura até morrer com grande zelo e desvelo... Deixou disposta em parte a
planta deste mosteiro e da igreja nova com clareza necessária para sua
execução. Faleceu aos 3 de abril de 1676. ”[2]
A
Basílica dedicada ao mártir São Sebastião que está em destaque ao centro
do retábulo aparece, Santo que dá nome à Basílica, nascido na Narbona, na
Gália, e que foi centurião romano. É representado com a cara rapada e semblante
juvenil, amarrado a um tronco de árvore, sofrendo o martírio das flechas, lenço
cobrindo parte do corpo e por trás das pernas suas vestes de guerreiro.
Imagem de São Sebastião
Patrono da Basílica do Mosteiro de São Bento
Foi
construída ao longo de vários abaciados, isso ocorreu por diversos motivos
dentre eles a falta de recursos financeiros. A construção da mesma iniciou-se
em 1680. A construção do atual retábulo - mor e de toda a igreja do mosteiro
vêm da mentalidade da época de que tudo o que Deus nos dar para Ele deve se
converter, é um testemunho que nada é demais para a casa de Deus. Finalizando a sequências das capelas laterais dois púlpitos, executados em mármore possuindo uma leve decoração através da técnica de marchetaria colorida estão fixando nas colunas que antecedem o transepto que dar acesso a capela-mor. Na parte frontal o brasão da Ordem Beneditina em relevo, o uso de brasões nas Igrejas são a marca que este templo pertence a uma determinada Ordem Religiosa. Na base dos mesmo simbolicamente anjos sustentam a estrutura superior onde o sacerdote proferia o sermão da missa. O conjunto de anjos trazem nas mãos fitas e nestas mensagem referentes a culto divino celebrado, do lado direito a expressão latina Praedica Verbum que é uma menção muito clara a exortação de Paulo a Timóteo: praedica verbum, insta opportune, importune... Erit enim tempus,
cum sanam doctrinam non sustinebunt (2 Tm 4, 2-3). Traduzindo em resumo essa advertência válida, sem
dúvida, também nos nossos dias que é um convite do Apóstolo a pregar e anunciar a Palavra de Deus.
Já do lado esquerdo temos igualmente outro púlpito mas com a exortação agora do Antigo Testamento da passagem do início da Profecia de Isaias 58, a expressão latina é "Clama ne Cesses" que significa Clama em alta voz, como consta na imagem abaixo:
A chegada do
conjunto do altar coincide com a substituição dos retábulos de madeira
policromada e dourada pelo mármore, cujas mudanças começaram a ocorrer na
segunda metade do séc. XIX. Assim nos diz Freire em relação a esta mudança
estilística:
Ao longo do século XIX as irmandades,
ordens terceiras e algumas ordens de religiosos regulares empreenderam reformas
no interior de seus edifícios “[...] que consistiram no desmonte e
destruição da antiga ornamentação em madeira entalhada, policromada e dourada
erigida no século XVIII, e na substituição por outra ornamentação que fosse
mais adequada à concepção estética e cultural daqueles novos tempos”. Destaca
que o período mais frutífero em todo esse processo deu-se na primeira metade
dos oitocentos, coincidindo com “[...] a vigência do primeiro período de
prosperidade econômica, os 20 anos de depressão e fase posterior de
recuperação”. Sendo prejudicada pela última fase de depressão acontecida de
1865 a 1888.[3]
O
atual retábulo, que é o nosso principal objeto de estudo foi inaugurado e
aberto ao público no dia 11 de julho de 1871, justamente segue o programa
arquitetônico devido do Concílio Tridentino de que os santos deveriam ter o seu
lugar de destaque, e assim vemos as figuras de São Bento e Santa Escolástica cada
uma em seu nicho individual que é coroado com uma abóboda ou semi-cúpula. E ao
centro São Sebastião trazendo em seus pés os atributos que o distingue como
soldado romano (espada, armadura, capacete). O altar-mor com o respectivo
retábulo, segundo a nota de encomenda e compra existente no arquivo do
arquicénobio baiano, foi encarregada da execução a
casa Fratelli Sechino, em Gênova – Itália, assim trata a cronica religiosa:
Esta obra monumental fôra continuada
pelo plano primitivo, em 1854, sendo D. Abbade deral o padre-mestre Fr.
Saturnino de Santa Clara Antunes, que governou até 1860, deixando encomendado
altar e retabulo de pedra, de que foi incumbido o finado negociante Sechino, eu
o fizera aos melhores esculptores da Italia, do mais fino marmore.[4]
Está
à capela-mor toda ladeada por trígrifo elemento arquitetônico da arte
neoclássica derivado dos templos gregos que demarcava o espaço onde era adorado
o deus ou a deusa. Já na cultura cristã ele demarca o espaço do Deus dos
cristãos. O programa ornamental do retábulo é neoclássico arqueológico, ou
seja, os padrões que foram encontrados nas escavações presentes em Herculano e
Pompeia.
Projeto do teto da capela - Mor com as tribunas, Século XIX
Fonte: Arquivo do Mosteiro de São Bento da Bahia
O
conjunto escultórico em mármore de carrara foi trazido do além-mar (Itália)
trázido desmontado em conjuntos de peças e aqui montado, tendo suas bases de
alvenaria. Inspirado na cultura neoclássica apresenta elementos próprios da
ornamentação do mundo grego e da arte cristã. Prender-nos-emos ao significado
dos elementos no tocante à arte cristã. Erguem-se quatro colunas de ordem compósita,
com frisos decorados com folhas de acanticas, frutos, pássaros, grinaldas e seres
fantásticos. Assim sendo, a folha de acanto tem o significado da vitória
daqueles que permaneceram fiéis ao seguimento de Cristo. O tratamento no chão
da capela - mor é ricamente ilustrado com figuras geométricas.
O chão da capela maior está todo ladrilhado á pedra mármore formando estrelas, e o mesmo ladrilhado continua em grande parte da nave, que depois de concluída a obra deve fica do mesmo modo ladrilhada. O mármore da obra da capella, mão-de-obra de tudo que está feito orça em mais de 300 contos de reis.
Detalhe da ornamentação da coluna do retábulo
Ornamentação do chão da capela - mor
Mosteiro de São Bento da Bahia
Na
base do retábulo encontram-se quatro brasões em alto-relevo com atributos
direcionados para a Sagrada Escritura e as celebrações litúrgicas ali
realizadas. No primeiro brasão, vêem-se as tábuas dos dez mandamentos, uma
cruz, ao fundo um ramo de palmeira e os três elementos envolvidos no ramo da
figueira, no segundo temos um castiçal, um cálice, uma pala, um turibulo e a
palma da palmeira com o ramo da videira envolvida nos objetos, na quarta: uma
custódia, uma naveta e uma cruz grega, um lecionário envolvido por uma estola,
mitra e báculo.
Ao
olhar para o arco do triunfo que coroa o retábulo visualiza-se três figuras:
Fé, Esperança e Caridade. Tais virtudes são chamadas de virtudes teologais e as
encontramos na Sagrada Escritura no capítulo primeiro da Carta de São Paulo aos
Coríntios. São elas virtudes sobrenaturais que todo cristão deve se esforçar a
praticar em sua vida. Essas virtudes foram exaltadas na decoração das igrejas
sobretudo no século XIX, para acentuar o combate contra os vícios
capitais. De acordo com Freire (2006, p.419) “A alegoria das virtudes
teologais foram as mais constantes e enfatizadas na talha baiana do Oitocentos.
Isso porque são as principais virtudes e representam a essência da mensagem que
a Igreja Católica desejava transmitir para os seus fiéis”.
Detalhe da liturgia na capela - mor
A
mesa do altar-mor hoje deslocada de seu local original junto ao retábulo por
conta das mudanças litúrgicas do Concílio Vaticano II, apresenta uma série de
elementos tais como as tradicionais folhas de acanto. Depois nos lados folhas
de videira e trigo ambas remetendo-se a simbologia eucarística do pão e do
vinho. Ainda pavões nas laterias da mesa do altar significam a beleza do
paraíso e finalmente ao centro do altar-mor a figura do pelicano
ave enigmática que na simbologia cristã é referência do sacrifício de
Cristo por toda humanidade ferida pelo pecado.
No alto nas paredes laterais da
capela temos seis tribunas coroadas com rocailles conchas.
Completa a ornamentação da capela os duas telas de grandes proporções de São Gregório Magno
e Santa Hidelgardes encomendados em 1880 ao pintor genovês Paolo A. Ferraro.
Detalhe do quadro de Santa Hildegardes
e o cadeiral monástico.
Completam
o conjunto a mesa do altar, as credências e em plano inferior do corpo da
capela-mor estão o cadeiral, ou estalas (em madeira), para a celebração dos
ofícios, e as balaustradas em mármore coroadas por anjos que separam o espaço
da capela-mor do transepto e da nave da igreja, para marcar a distinção entre o
espaço reservado aos monges e a assembleia dos fiéis.
Dom Anselmo Rodrigues, OSB
[1] CALMON, Pedro. História do
Brasil. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editôra,1963.
[2] MULLER. Gregório Os beneditinos
na Bahia. Tipografia beneditina. Salvador-BA.
BELÍSSIMA !! SEMPRE NO MÊS DE JANEIRO, ESTANDO NA LINDA BAHIA; ASSISTO MISSA POR LÁ. NO DIA DE SÃO SEBASTIÃO, HÁ MISSA ORQUESTRADA E, SOBRE O ALTAR CENTRAL; PORTENTOSO RELICÁRIO EM FORMATO DE ANTEBRAÇO COM TERMINAÇÕES EM PRATA REPUXADA, PORTANDO A RELÍQUIA DO SANTO MÁRTIR #SEBASTIÃO. SALVE SALVE A BAHIA!!
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